A Modernização Portuária da Capital Monárquica: A Doca Dom Pedro II (parte 2)

Author: Antonio Carlos Higino da Silva

Parte 2 - Novas Experiências Internacionais, Fusão, os Molhes de Madeira e o Armazém nº 5.

Fusão

Ao retornar da viagem, em julho de 1873, Rebouças foi surpreendido pelo fato de que as negociações de fusão das Companhias não haviam se encaminhado. Portanto, a campanha de prolongamento do cais até o Arsenal da Marinha continuava. Sendo assim, o Conde de Estrela, presidente da Companhia, pensou em liquidá-la em outrubro de 1873. A diretoria sabia que seria impossível conseguir arrecadar novos capitais para estender o cais primitivo construído e dar aos acionistas algum ganho.

Neste contexto, Rebouças convidou, pessoalmente, o Ministro Rio Branco para fazer uma visita as obras da Doca Pedro II. Em novembro daquele mesmo ano, o Ministério da Fazendo estabeleceu um novo contrato com a Companhia e a fusão não se realizou.

Vista lateral da Doca Dom Pedro II, Google Imagens
Os Molhes Perpendiculares

O não encaminhamento da fusão das companhias de docas permitiu que Rebouças prosseguisse a construção da Doca Pedro II e implementasse um dos itens mais atacados por seus adversários: os molhes perpendiculares ao cais feitos em madeira (Jetty Principle).

Essas pontes perpendiculares ao cais foram itens planejados e apresentados junto ao projeto protocolado no Ministério da Agricultura em 1869. Elas tinham por finalidade o embarque e desembarque de passageiros e a carga e descarga de mercadorias que se realizassem a partir de navios de grande calado. Com essa nova tecnologia, a intermediação por meio de embarcações menores seria desnecessária, entretanto, extinguiria um ramo da atividade portuária.

Esse foi um dos temas mais polêmico enfrentado pela doca, pois seus adversários diziam que o uso de madeira nessa estruturas atenderia apenas aos interesses da Companhia e deixaria os futuros prejuízos para o governo monárquico quando acabasse a concessão de 90 anos.

Para complicar a situação, na petição inicial, Rebouças não deixou evidente se essas pontes seriam feitas apenas com madeira ou se seriam usados outros materiais de forma mista.

Nova Experiência Internacional

Contudo, ao retornar de sua nova viagem, ele trazia consigo um grande trunfo em sua bagagem. Após um ano visitando os mais importantes portos do mundo, foi possível constatar que  o uso de madeira tratada era parte do novo padrão internacional de construção de docas. Seus registros e um artigo da revista especializada Mechanic's Magazine indicavam que este uso foi realizado nas docas de Londres e de Nova Iorque, mais exatamente, na Real Victoria Docks e na White Star Docks, respectivamente.   

Sendo assim, o molhe de madeira leste da Doca Pedro II foi construído entre 09 de janeiro e  19 de março de 1874, sendo inaugurado em 24  de abril do mesmo ano. E o molhe de madeira oeste foi construído entre 12 de fevereiro e maio de 1874.

Vista Lateral da Doca Dom Pedro II, Google Imagens
O Armazém nº 5

Ao término do ano de 1874 a Doca Dom Pedro II possuía um cais concretado e pontes perpendiculares para navios de grande calado. Mas ainda restava realizar a construção de um grande armazém que substituísse o Armazém Central que seria edificado na Largo da Imperatriz, conforme a planta original de 1867. Contudo, o embargo realizado em setembro de 1871 impediu tal realização.

O planejamento do novo armazém ocorreu ainda durante a viagem de Rebouças. O gigantesco depósito foi inspirado e idealizado, entre novembro e dezembro de 1872,  em parceria com os coordenadores do projeto de reforma do porto marselhês, Gustave Desplaces e Hilarion Pascal.  

Sob o nome de Armazém Nº 5, o principal legado da Doca Pedro II, ainda hoje existente, teve sua construção iniciada naquele mesmo ano.

Marselha, Nova Jersey e Nova Iorque. (via férrea na lateral da Doca Entreposto de Marselha/ Avenue Pavonia em Nova Jersey/ Avenue West em Nova Iorque).
O Armazém nº 5 e os novos ajustes.

Durante a construção do Armazém nº 5, a Companhia de Doca Pedro II precisou continuar a arrendar e desapropriar trapiches a fim de evitar as dificuldades no armazenamento de mercadorias.

A principal preocupação estava sobre o café, produto primordial a aquisição de lucros os quais deveriam ser dividos entre os acionistas.

A ausência de um grande armazém rendeu uma serie de acusações e zombarias a companhia nas páginas dos jornais, tais como: monopólio de trapiches.

Naquele contexto, os confrontos realizados com os adversários da companhia conduziram a ajustes feitos no projeto original que acabaram por prejudicar a atividade existente e beneficiar a nova planta formulada. Tais ganhos não se deram por um planejamento de Rebouças.

Um bom exemplo disso aconteceu quando, após a construção do novo aterro, a companhia abriu uma nova entre o Armazém Nº 5 e os fundos dos estabelecimentos comerciais que ficavam entre o Beco da Pedra do Sal e o Largo da Imperatriz.

A saída encontrada acabou por reproduzir  uma solução arquitetônica que já era usada em Marselha, Nova Jersey e Nova Iorque, como pode ser visto na sequência do mosaico de imagens acima, respectivamente.

Tais docas tinham de um lado o mar ou uma baía e de outro uma grande rua, avenida ou  via férrea as quais possibilitavam um grande fluxo de pessoas e mercadorias. 

No caso brasileiro o ajuste feito no projeto conduziu a criação da Rua Coelho e Castro. Este nome faz referência a um dos maiores acionistas da Companhia de Docas de Dom Pedro II.

Planta das Docas Dom Pedro II. Planta das Docas Dom Pedro II. Planta da 5ª Seção., André Rebouças , Planta d Acervo da Superintendência do Patrimônio da União SPU/RJ, 1871
O entreposto de café

As oscilações da safra de café e as proibições de armazená-lo, esta última em decorrência das disputas com a Companhia da Doca da Alfândega e com outros trapiches da região, também causaram interferência na geografia da região.

Com o objetivo  de estar mais preparado para a disputa pelo mais precioso produto de exportação, a solução encontrada foi construir um exclusivo entreposto de café. Entretanto, este depósito teria medidas menores que aquelas do Armazém nº 5. Para isso, a companhia adquiriu alguns terrenos na Rua da Saúde entre os números 88 a 94 e demoliu todas as construções que se encontravam neste espaço. A abertura destes sítios conferiu um acesso entre a rua Coelho e Castro e a Rua de São Francisco da Prainha.

Interior do Armazém Nº 5
O arrendamento

Nos anos seguintes a difícil negociação com o Ministro Rio Branco, apesar dos embargos ao armazenamento de café, a Companhia conseguiu, enfim, terminar a construção do Armazém Nº 5 em 1876.

Entretanto, a crise econômica mundial no ano de 1873 e a perda da parceria de Rio Branco, devido a queda de seu Gabinete em 1875, tornaram a posiçao da companhia muito vulnerável.

Um outro complicador, naquele contexto, foi a ascenção de um Gabinete Conservador que tinha o Barão de Cotegipe no Ministério da Fazenda. Os novos representantes imperiais eram contrários à ideia de Docas.

Com dificuldades econômicas e falta de apoio político a Companhia de Docas Dom Pedro II foi arrendada pelo governo imperial no ano de 1877. 

Rua André Rebouças

No ano de 1878, após o arrendamento da companhia, o entreposto de café que jamais foi construído, acabou por se converter em uma nova rua  no espaço entre as ruas Coelho e Castro e São Francisco da Prainha.

Em 12 de dezembro de 1878, a Câmara Municipal votou que essa rua se denominasse André Rebouças. Esta homenagem foi uma maneira de reconhecer todo esforço empreendido por este brasileiro em favor da modernização portuária do Brasil. 

Atualmente essa rua chama-se Aníbal Falcão. Mas é possível encontrar a antiga nomenclatura em outros documentos da época, como a planta das Docas Nacionaes apresentada na figura acima. 

Barão de tefé, 75 - Armazém Nº 5
Armazém Nº 5 . Dias atuais
Referências Bibliográficas

FONTES PRIMÁRIAS DIGITAIS

OBRAS RARAS

REBOUÇAS, André. Melhoramento do Porto do Rio de Janeiro. Organisação da Companhia das Docas de D. Pedro II. Rio de Janeiro: Tipografia Nacional, 1869. Disponível em <http://objdigital.bn.br/objdigital2/acervo_digital/div_obrasraras/or1451407/or1451407.html> Acesso em 12 03 2015 10:37

_____________. Estudos de Portos de Mar. Rio de Janeiro: Correio Mercantil, 1862. Ed 226 a 280.  Disponível em: http://memoria.bn.br/DocReader/docreader.aspx?bib=217280&pasta=ano%20186&pesq=%22rebou%C3%A7as%22 Acesso em 12 03 2015.

_____________. Portos de Commercio. Synopse da obra de Mr. Louis Barret. Disponível em <http://objdigital.bn.br/objdigital2/acervo_digital/div_obrasraras/or1451407/or1451407.html> Acesso em 12 03 2015 10:37

_____________. Companhia da Doca da Alfandega do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro: Typ. Imp. E Const de J. Villeneuve E Comp, 1870. Disponível em <http://catalog.hathitrust.org/Record/008894471> Acesso em 06 06 2015

CASTRO, Agostinho Victor de Borja. Descripção do Porto do Rio de Janeiro e das Obras da Doca D’Alfandega. Rio de Janeiro: Instituto Imperial, 1877. Disponível em http://objdigital.bn.br/objdigital2/acervo_digital/div_cartografia/cart1137237/cart1137237.htm

 

COLEÇÃO DE LEIS DO IMPERIO DO BRASIL

Decreto nº 1664 de 27 de outubro de 1855.

Decreto nº 1746 de 13 de outubro de 1869.

Decreto nº 4774 de 23 de agosto de 1871

Decreto nº 4492 de 23 de março de 1870

Decreto n º 4783 de 06 de setembro de 1871

Decreto nº 5438 de 15 de outubro de 1873

Lei nº 2240 de 28 de setembro de 1871 disponível em http://www2.senado.leg.br/bdsf/item/id/185618

 

JORNAIS, REVISTAS E ALMANAQUE

Almanak Laemmert 1871 e1872

Jornal do Commercio. 1871 e 1872.

Revista de Engenharia 1882, 1888 e 1890.

Revista do Instituto Polytechnico 1875.

 

SILVA, Antonio Carlos Higino. Portos de Commercio. Tecnologia, Associacionismo e Redes de Sociabilidade: os desafios e as propostas modernizadoras de André Pinto Rebouças para o Brasil do Segundo Reinado (1850-1890). Tese, Universidade Federal do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro, 2020.

Produzido por:

Antonio Carlos Higino da Silva - Doutor em História Comparada / PPGHC-UFRJ.