A Modernização Portuária da Capital Monárquica: A Doca Dom Pedro II (parte 1)

Author: Antonio Carlos Higino da Silva

Esta narrativa tem por objetivo descrever parte do processo de reforma portuária ocorrida na segunda metade do século XIX na cidade do Rio de Janeiro. As ações do governo monárquico tiveram por objetivo dar  continuidade a modernização inciada com a obra da Doca da Alfândega.

Pedra do Sal, Thomas Ender, 1818
A Modernização Portuária da Capital Monárquica: A Doca Dom Pedro II

Parte 1 - Projeto, disputas, alterações e fusão 

Depois de assumir as obras da Doca da Alfândega no ano de 1866, André Rebouças começou a projetar, em agosto do ano seguinte, o maior porto do Brasil imperial: A Doca de Dom Pedro II. Diferentemente do projeto anterior, a intervenção portuária realizada no Valongo foi toda arquitetada pelo brasileiro que, em 1870, também obteve a concessão da Companhia da referida doca.

Planta das Docas Dom Pedro II , André Pinto Rebouças, Superintendência o Patrimônio da União SPU/RJ , 1867
Planta das Docas Dom Pedro II 1867

Originalmente, a petição da Doca de Dom Pedro II foi protocolada no Ministério da Agricultura com uma planta que possuía a seguinte descrição:

  1. Uma primeira doca no bairro da Saúde com 1.826 metros de cais e outra na Gamboa com 826,5 metros. Segundo o próprio Rebouças, considerando um percentual de 10% de perda nestas áreas e mais o cais que seria utilizado exclusivamente para os aparelhos Edwin Clark, os dois bairros ao fim do projeto teriam juntos 2.386,5 metros úteis de cais.
  2. Já no que se refere a capacidade de armazenagem e proteção de mercadorias por meio de telheiros, a Saúde possuiria 67.699 m² de área coberta e a Gamboa 26.280 m² somando um total de 93.979 m². Neste caso, também considerando os 10% de perda, restaria 84.581m² de área coberta. 
DDPII versus Trapiches, Bruno Sousa - Rice University, Baseado na Planta Original de 1867, 2018
Um Porto de Dimensões Internacionais

Nesta imagem podemos ver uma Projeção da Planta da Doca Dom Pedro II em 1867 confrontada com os estabelecimentos situados nos bairros da Saúde e da Gamboa.

Em vermelhos destacam-se os estabelecimentos que buscaram representação judicial ou na impressa contra as desapropriações realizadas pela companhia de Docas Dom Pedro II.

Essas dimensões tornariam a Doca Pedro II  o maior projeto urbanístico do Brasil imperial angariando parceiros e adversários. Suas medidas tinham por objetivo atender padrões internacionais. 

Sua estrutura de armazéns, galpões, molhes perpendiculares, juntamente com o conjunto de suas aparelhagens hidraúlicas, teve por referência e inspiração os portos de Londres, Marselha e Nova Iorque. André Rebouças visitou esses portos quando ainda estavam em construção e aproveitou muito dessas experiências para realizar os seus planos. Naquelas circunstâncias, Rio e Nova Iorque despontavam como os  maiores da América.    

Planta da 5ª Seção [editada], André Rebouças, Acervo da Superintendência do Patrimônio da União SPU/RJ, 1871
Mudanças no projeto original

Contudo, desde a admissão da petição no Ministério da Agricultura, em dezembro de 1867, até o início efetivo das obras, em 09 de março de 1872¹, inúmeras alterações ocorreram no projeto original e muitas delas motivadas por disputas comerciais. Veja a seguir:

a) Perda do serviço ferroviário que interligaria a Doca Dom Pedro II e a Estrada de Ferro Dom Pedro II.  Fato que gerou intensas discussões entre André Rebouças e Honório Bicalho nas paginas dos jornais. (A interligação era o primeiro item da décima cláusula do Decreto nº 4492 de concessão da companhia);

b) A constituição em separado da concessão dos diques de reparação de Edwin Clark. Esses diques podem ser vistos na projeção apresentada logo acima nas proximidade da Praça da Harmonia legendado pela letra F. (decreto nº 4665 03 de janeiro de 1871);

c) O impedimento da criação do muro de 2,5 metros de altura que separaria a doca dos demais estabelecimentos que já se encontravam no bairro da Saúde. Essa interdição relacionou-se, principalmente, ao confronto entre os proprietários de estabelecimentos que se situavam na Rua de São Francisco da Prainha, entre o Beco da Pedra do Sal e o cais do Valongo. Esse trecho está apresentado na planta acima e pode ser visto ao fundo no ImagineRio. (decreto nº 4783 06 de setembro de 1871) e;

d) Perda do Largo da Imperatriz destinado a criação do maior armazém da Doca de Dom Pedro II (Armazém Central) e

e) O embargo do início das obras realizado pela Câmara Municipal em 15 de setembro de 1871.

[1] Conforme memória publicada na Revista do Instituto Polytechnico de 1876 disponível em http://memoria.bn.br/DocReader/docreader.aspx?bib=334774&pasta=ano%20187&pesq= 

 

Largo da Imperatriz/Praça Municipal, Google Imagens
O adeus ao Largo da Imperatriz e ao Armazém Central.

Quando enfim foi dada a ordem judicial para a suspensão do embargo municipal e autorização para o início das obras, em 27 novembro de 1871, o Largo da Imperatriz havia sido retirado da Doca Dom Pedro II. Sendo assim, a instalação de um novo armazém precisaria ser realizada em uma outra área de medidas proporcionais a que foi perdida.

 

O Novo Aterro

A solução encontrada foi a construção de um aterro que começou a ser realizado em março de 1872 e concluiu-se em dezembro do mesmo ano. No ano seguinte, iniciou-se a concretagem do aterro e o cais foi concluído.

Ao cotejar a localizaçao dessa construção  com a Planta da 5ª Seção/SPU que foi apresentada logo acima, pode-se perceber que o posicionamento do aterro coincide com os fundos dos estabecimento vistos no referido projeto. Isto é, entre o Beco da Pedra do Sal e o Largo da Imperatriz. Logo, apesar de não conseguir realizar a construção do desejado muro de 2,5 m, que separia as docas do demais estabelecimentos da região, a companhia impediu a continuidade do acesso a baía de Guanabara aos comerciantes daquela região. Essa estratégia inviabilizou o prosseguimento das atividades portuárias e desvalorizou aquelas propriedades. 

Tal fato gerou mais confronto entre a companhia e os donos de estabelecimentos na Rua de São Francisco da Prainha.  

Demissão, Fusão e Uma Nova Viagem.

Por fim, pode-se dizer que a retomada da obra teve um gosto amargo, pois além da perda do Largo da Imperatriz, Rebouças foi demitido, no dia 11 de novembro de 1871, da primeira companhia de portos do Brasil que ele mesmo tinha criado: a Companhia da Doca da Alfândega.

Naquele momento, um clima de rivalidade se consolidou entre as duas únicas companhias portuárias brasileiras, pois seus acionistas se puseram em campos opostos. 

Com o início desse antagonismo, a Docas Pedro II passou por extrema dificuldade nos meses seguintes, de modo que, em agosto de 1872, o Ministro Rio Branco propôs a fusão das duas Companhias. Entre as incumbências dessa união, seria tarefa da Doca Pedro II estender seu cais em direção ao Arsenal da Marinha a fim de uni-lo ao da Doca da Alfândega. Fato invíável para a Companhia naquele momento, mas que foi, inicialmente, aceito pela diretoria da Companhia.

Rebouças que tinha sido demitido da Companhia da Alfândega há alguns meses, preferiu, mesmo com a obra do aterro em andamento, realizar uma nova viagem internacional para Europa e Estados Unidos. Naquela circunstância, sua partida teve dois objetivos: não participar do processo de fusão das companhias e realizar estudos para reorganizar alguns componentes do projeto os quais foram afetados pelas mudanças.

Continua...

A Modernização Portuária da Capital Monárquica: A Doca Dom Pedro II  (Parte 2)

Novas Experiências Internacionais, O Armazém nº 5 e o Arrendamento da Docas Pedro II.