Em 1905, Lima Barreto escreveu uma série de crônicas sobre a demolição do Morro do Castelo, no Rio de Janeiro. Procuramos aqui referenciar trechos dessas crônicas, tanto espacial quanto temporalmente, ajudando a relacionar esse relato com a história da cidade - e com o processo de demolição do morro onde ela foi fundada.
Este trabalho faz parte da pesquisa do LAURD/PROURB “Guia literário do Rio de Janeiro”, que tem por objetivo geo-localizar trechos literários sobre a cidade nas primeiras décadas do século XX - momento importante de transformação da cidade.
A equipe é composta por Rodrigo Cury Paraizo (coordenador); Cintia Mechler; Maria Clara Coura; Igor Klein; Raissa Paim; Marcela Aurélia da Silva; Beatriz Bastos; Taís da Costa Vicente.
Em 1905, Lima Barreto escreveu uma série de crônicas sobre a demolição do Morro do Castelo, no Rio de Janeiro. O processo de demolição do Morro, espaço de fundação da cidade, durou de 1904, com a abertura da Avenida Central, até 1922, com a inauguração da Exposição do Centenário da Independência. As crônicas, parte fantasiosas, parte documentais, foram publicadas no Correio da Manhã, de forma anônima, e só foram publicadas como livro décadas depois, em 1997.
Afonso Henriques de Lima Barreto nasceu no Rio de Janeiro em 1881. Filho de pais afrodescendentes e de poucas posses, ficou órfão de mãe aos 7; foi então acolhido e auxiliado por seu padrinho de batismo, o Visconde de Ouro Preto.
Em 1905, começou a escrever como jornalista e cronista no “Correio da Manhã”, e, em 1911, publicou no “Jornal do Comércio”, como folhetim, “Triste fim de Policarpo Quaresma”. Observador atento da sociedade e crítico mordaz da realidade brasileira, faleceu em 1922, aos 41 anos, vítima do alcoolismo.
O livro “O subterrâneo do morro do castelo”, lançado somente em 1997, reúne as crônicas publicadas anonimamente do final de abril ao início de junho de 1905 no jornal “Correio de Manhã”. Nele, Lima Barreto intercala o relato do início da demolição com uma história de amor (protagonizada por uma dama italiana conhecida como “D. Garça” e seus amantes, um padre jesuíta e um pirata francês) passada no século XVIII, supostamente narrada em manuscritos aos quais o autor teve acesso por meio de um personagem chamado Coelho.
Os trechos que tratam da demolição, por sua vez, procuram dar conta das escavações e da descoberta de galerias e artefatos do Morro - bem como documentam a curiosidade da população a respeito da antiga lenda que corria a cidade sobre o tesouro dos jesuítas. É também um registro de uma cidade que passa por intensa transformação urbana, capital de uma recém proclamada república.
O Correio da Manhã, jornal que publicou a reportagem-folhetim, tinha sua redação na Rua Moreira César 117 (a atual Rua do Ouvidor), no Centro do Rio, uma das mais importantes e movimentadas ruas da capital. Passou depois pelo Largo da Carioca 13, até chegar a seu endereço definitivo, na Gomes Freire 471.
Em 1557, dois anos após da fundação da cidade de Sebastião do Rio de Janeiro, Mem de Sá transfere o local de fundação da cidade para o Morro do Castelo por motivos estratégicos. A partir disso, o Morro do Castelo foi ganhando importância, passou a abrigar igrejas, edifícios públicos e moradias. Além disso, havia uma fortaleza, que lembrava a de um castelo; assim, o morro, que se chamava Morro do Descanso, passou a ser chamado de Morro do Castelo.
No final do século XVII, com a mudança do centro político-administrativo para o Largo do Carmo, atual Praça XV, o Morro do Castelo foi perdendo importância. Este fato se agravou quando o Marquês de Pombal, a mando de Portugal, expulsa os jesuítas do Brasil. Os jesuítas tinham um papel importante na administração da cidade, além de serem os responsáveis por catequizar os indígenas.
"Em todos estes países os bens da Ordem de Jesus foram confiscados, não sendo pois admirar que, expulsos os discípulos de Loiola, em 1759, de Portugal e seus domínios pelo fogoso ministro de D. José I, procurassem a tempo salvaguardar os seus bens contra a lei de exceção aplicada em outros países, em seu prejuízo. A hipótese, pois, de existirem no morro do Castelo, sob as fundações do vasto e velho convento dos jesuítas, objetos de alto valor artístico, em ouro e em prata, além de moedas sem conta e uma grande biblioteca, tomou vulto em breve, provocando o faro arqueológico dos revolvedores de ruinarias e a auri sacra fames de alguns capitalistas, que chegaram mesmo a se organizar em companhia, com o fim de explorar a empoeirada e úmida colchida dos Jesuítas. Isto foi pelos tempos do Encilhamento." (p.2) Correio da Manhã - sexta-feira, 28 de abril de 1905
O desmonte do Morro do Castelo começou em 1789, como parte de uma iniciativa sanitária (não levada inteiramente a cabo) que propunha melhorar a circulação de ar na cidade pelo desmonte de alguns morros - na época, acreditava-se que o ar parado dos “miasmas” era origem de diversas doenças. Já em 1904, durante a administração de Pereira Passos, o morro do Castelo perdeu uma parte de sua área para a abertura da Avenida Central, hoje chamada de Rio Branco.
A etapa final do desmonte aconteceu em 1921, para dar lugar a parte da esplanada onde ocorreria a Exposição Internacional da Comemoração do Centenário da Independência do Brasil de 1922. O prefeito da época, Carlos Sampaio, considerava o arrasamento do morro necessário para trazer higienização, segurança e desobstruir o centro da cidade. Em menos de dois anos, o Morro do Castelo havia sido completamente arrasado.
Atualmente, é possível ver ainda um fragmento remanescente do Morro na Ladeira da Misericórdia.
"Uma hora da tarde; o sol causticante ao alto e uma poeirada quente e sufocante na Avenida em construção; operários cantam e voz dolente, enquanto os músculos fortes puxam cabos, vibram picaretas, revolvem a areia e a cal das argamassas. O trajeto pela Avenida, sob a canícula medonha, assusta-nos; um amigo penalizado, resolve-se a servir-nos de Cirineu e lá vamos os dois, satirizando os homens e as coisas, pelo caminho que conduz ao tesouro dos jesuítas ou à blage da lenda.” (p. 4) Correio da Manhã - sábado, 29 de abril de 1905
Durante a gestão de Pereira Passos (1902-1906), foi realizado o primeiro aterro marítimo, objetivando melhorias na região portuária. A partir da Praça Mauá, iniciaram-se as obras da Avenida Central (atual Rio Branco). Cortando o centro da cidade de norte a sul, a via exigiu a demolição de, aproximadamente, 600 prédios antigos, vários deles cortiços em que se abrigava uma população mais pobre.
A construção da Avenida foi objeto de um concurso de fachadas com a finalidade de lhe conferir a unidade e estética dos bulevares franceses. Na sua parte sul, na futura Cinelândia, ficariam concentradas as construções do Teatro Municipal, da Biblioteca Nacional, cujas obras começaram em 1905, e da Escola Nacional de Belas Artes (futuro Museu Nacional de Belas Artes), finalizada em 1906. Lima Barreto faz a contraposição entre a aparência humilde dos trabalhadores e a opulência das obras que construíam:
"Estacamos para indagar de um grupo de trabalhadores onde podíamos encontrar o Dr. Dutra.
— Patrão, não sabemos; nós trabalhamos no theatro.
Não eram atores, está visto; simples operários, colaboradores anônimos nas glórias futuras da ribalta municipal. Mais alguns passos e aos nossos surge a mole argilosa do Castelo: um grande talho no ventre arroxeado da montanha nos faz adivinhar a entrada do famoso subterrâneo. Limitando uma larga extensão, há, em torno ao local de tantas esperanças, uma cerca de arame, barreira à curiosidade pública que ameaçava atrapalhar a marcha dos trabalhos." (p. 6) Correio da Manhã - sábado, 29 de abril de 1905
O desmonte do Morro teria levado à descoberta de galerias subterrâneas, pertencentes à igreja e ao colégio dos jesuítas. A imaginação popular logo trata de popular as galerias com o sempre comentado tesouro que os jesuítas teriam escondido ao serem expulsos do país.
A descoberta da primeira galeria faz ressurgir a lenda das riquezas dos jesuítas:
“Estes fatos já estavam quase totalmente esquecidos, quando ontem novamente se voltou a atenção pública para o desgracioso morro condenado a ruir em breve aos golpes da picareta demolidora dos contrutores da avenida."
(...)
"Em certo momento, o trabalhador Nelson, ao descarregar com pulso forte a picareta sobre as últimas pedras de um alicerce, notou com surpresa que o terreno cedia, desobstruindo a entrada de uma vasta galeria. O Dr. Dutra, engenheiro a cujo cargo se acham os trabalhos naquele local, correu a verificar o que se passava e teve ocasião de observar a seção reta da galeria (cerca de 1,60m de altura por 0,50m de largura). O trabalho foi suspenso a fim de que se dessem as providências convenientes em tão estranho caso; uma sentinela foi colocada à porta do subterrâneo que guarda uma grande fortuna ou uma enorme e secular pilhéria; e, como era natural, o Sr. Ministro da Fazenda, que já tem habituada a pituitária aos perfumes do dinheiro, lá compareceu, com o Dr. Frontin e outros engenheiros, a fim, talvez, de informar à curiosa comissão se achava aquilo com cheiro de casa-forte..." (p.1) Correio da Manhã - sexta, 28 de abril de 1905
Novas galerias são descobertas e a expectativa das pessoas cresce sobre a chance de encontrar os tesouros perdidos:
"Mais uma galeria subterrânea foi descoberta ontem no morro do Castelo Decididamente a velha mole geológica, esventrada pela picareta do operário descrente, despe o mistério que a envolvia e escancara o seu bojo oco e cobiçado à pesquisa dos curiosos. Já ninguém contesta que o morro lendário, célula matriz de Sebastianópolis, encerra nas arcas de seus poços interiores, atulhados pela caliça de três séculos e meio, um alto, um elevado tesouro... bibliográfico, pelo menos. Em toda a parte do morro, onde a picareta fere mais fundo, responde um eco grave no interior, eco que vai de galeria em galeria quebrar-se nas vastas abóbodas onde repousam os doze apóstolos de ouro."(p.4) Correio da Manhã - sexta, 28 de abril de 1905
Lima Barreto apresenta, na crônica de 4/5/1905, o sr. Coelho, um autoproclamado especialista nos subterrâneos do Castelo
"De coisas extraordinárias sabe este homem; tem talvez cinqüenta anos de idade, dois terços deles gastos no esmerilhamento das verdades ocultas nas entrelinhas de pergaminhos seculares. Ele sabe de todo um Rio subterrâneo, um Rio inédito e fantástico, em que se cruzam extensas ruas abobadadas, caminhos de um Eldorado como não no sonhara Pangloss. (...)
— E quanto às duas galerias recentemente descobertas?
Ele disse:
— Não valem nada, meu amigo; o caminho está errado; por aí não darão no vinte."
O excêntrico personagem é morador da Gamboa, onde o narrador vai encontrá-lo para ver os documentos que diz ter sobre as histórias que conta.
(...)“Uma ladeira íngreme, lá para os lados de Gamboa”
(p.1) Correio da Manhã - quinta, 04 de maio de 1905
De acordo com o sr. Coelho, as galerias eram apenas para passagem e esgotos:
"Aqui temos nós toda a verdade sobre os tão falados tesouros, diz-nos, num gesto enérgico. Mas antes de enveredar neste caos, uma rápida explicação! As galerias agora encontradas, como já disse, nada significam; são esgotos, são esconderijos e nada mais. O atual edifício do convento compunha-se antigamente de três andares; dois deles estão atualmente soterrados. A porta que conduzia ao Morro, corresponde ao antigo 2o andar do edifício, e estava por conseguinte muito abaixo do primitivo convento.
Todas as galerias que atravessam a montanha com diversos sentidos não foram construídas, como se tem imaginado, no tempo de Pombal, nas vésperas da expulsão da Companhia de Jesus; elas datam da instalação da Companhia no Brasil. Os jesuítas argutos e previdentes, imaginaram o que, de futuro, lhes poderia suceder; e daí o se apresentaram com tempo, construindo na mesma época em que fizeram as galerias de esgotos e as que serviam para o transporte de mercadorias, os subterrâneos de defesa e os grandes depósitos dos seus avultados bens." (p.1) Correio da Manhã - sexta, 05 de maio de 1905
A história dessa dama, passada em 1709, é posteriormente narrada começando em 8/5/1905.
D. Garça tem um casamento de conveniência com Martim Gonçalves Albernaz, almoxarife do paiol da alfândega da cidade de S. Sebastião. Moram juntos na casa próxima ao Convento, mas o esposo tem suas atenções voltadas para outra parte da cidade.
“—Há dias, o governador queixou-se dele ao reitor. Não guarda as conveniências; frequentemente se embriaga; anda amancebado com negras. Disse o mesmo governador que a dignidade do serviço de S.M. não pode tolerar tais desmandos. Hoje, para a tarefa extraordinária da chegada da frota, foi preciso ir buscá-lo a um batuque, lá para as bandas do Valongo. Até agora têmo-lo salvo, mas não sei…” (p.1) Correio da Manhã - quarta, 10 de maio de 1905
O jesuíta (convertido pela necessidade de fugir de seu país) Jean [João] de Jouquières (Marquês de Fressenec) era o amante de D. Garça no Rio de Janeiro. Sua apresentação na narrativa, no texto de 9/5/1905, é feita seguindo o seu caminho do convento até a casa dela:
“Do Colégio ao alto do Castelo, ele [Jean] descia para a grande cripta embaixo da praça de S. Sebastião. (...) e em certa altura, subia em rampa um desvio à direita, feito adrede, até encontrar um segundo, em conveniente plano horizontal, pelo qual penetrava naquela casa da Rua da Ajuda, próximo à de S. José, por um flanco dela que beijava a colina. (...) Tal era a casa de Martim Gonçalves Albernaz, almoxarife do paiol da alfândega da cidade de S. Sebastião.” (p1.) Correio da Manhã - terça, 9 de maio de 1905.
A dama, por outro lado, tinha uma atração maior pelo pirata João Francisco Duclerc, que estava desaparecido. Quando eles se voltam a se encontrar na casa da condessa, padre João fica sabendo e, enciumado, os mata e, em seguida, se suicida.
A narrativa intercala a trágica história de amor com os progressos da escavação:
"Ontem, à uma hora da madrugada, os trabalhadores sob a direção do hábil engenheiro Pedro Dutra, encarregados do arrasamento do morro do Castelo, descobriram uma nova galeria, que parece ser a mais importante das três até agora encontradas. Segundo as informações fidedignas que em dias consecutivos publicamos, deve ser esta a galeria mestra, conduzindo à vasta sala subterrânea, onde, segundo rezam a crônica e a lenda, estão encerrados os tesouros dos jesuítas. Foram encontrados no meio do barro lamacento restos carcomidos pela ferrugem de instrumentos de suplício, pregos, correntes, polés, gargalheiras, etc." (p3.) Correio da Manhã - sábado, 20 de maio de 1905.
Apesar dessa expectativa, poucas coisas de valor foram encontradas nessas galerias, como descreve o trecho a seguir:
"Pessoa que assistiu a este trabalho garantiu-nos ter sido encontrado um pequeno cofre de madeira pintado de ferro, que de pronto chamou a atenção do Dr. Dutra o qual resolveu sem demora comunicar ao Dr. Frontin o interessante achado, guardando sobre o caso o mais completo sigilo. Pela leveza do cofre, parece não conter ele metal, senão documentos da Ordem de Jesus. A nova galeria, que segue a direção do Convento dos Capuchinhos, já está explorada na extensão de dez metros, tendo sido ontem visitada pelos Drs. Lauro Müller, Paulo de Frontin, Getúlio das Neves, Emílio Berla, general Sousa Aguiar, Chagas Dória e vários engenheiros da avenida, que em seguida percorreram, em bonde especial, a Avenida Central."(p3.) Correio da Manhã - sábado, 20 de maio de 1905.
Em 24/5/1905, o narrador reporta a descoberta de um crucifixo de ouro, que, mais tarde (27/5/1905), é requisitado pelo presidente Rodrigues Alves. Em 28/5/1905, Lima Barreto objeta vigorosamente contra essa apropriação privada do que considera um bem público. Termina o raciocínio elegendo o Museu Nacional como repositório preferencial desses tesouros, para serem devidamente apreciados (e usufruídos) pelo povo brasileiro.
"O Sr. Rodrigues Alves, logo ao saber do encontro do crucifixo de ouro, numa das galerias do morro do Castelo, foi pronunciando o venha a nós e chamando aos peitos o objeto achado pelo Dr. Dutra. Por seu lado, o Dr. Frontin, que para estas coisas não é mole, foi se apossando do candeeiro de ferro, encontrado na sala abobadada.
A seguirem as coisas, para o futuro, o mesmo rumo, e dado o caso de aparecer o S. Inácio de Loiola ou qualquer dos apóstolos, claro está que aqueles dois senhores se julgarão com o direito de carregá-los. Que isso é torto como qualquer das galerias não pode haver a menor dúvida: tudo o que ali dentro possa estar guardado e que na opinião do Sr. Léo Junius representa riquezas fabulosas, pertence de direito ao povo, único soberano — em doutrina e em imagem de retórica, é verdade. Qualquer cidadão tem tanto direito ao crucifixo e ao candeeiro como os srs. Rodrigues Alves ou Frontin. Ora, como é impossível dividir os objetos em partes iguais pelos milhões de almas que habitam o país — do Amazonas ao Prata e do Rio Grande ao Pará — ficam eles sendo de propriedade de todos em geral, sem ser de cada um em particular. Todo cidadão pode apreciá-los de longe, com a vista unicamente. " (p1.) Correio da Manhã - domingo, 28 de maio de 1905.
Ainda no início da narrativa, Lima Barreto menciona a existência de outros subterrâneos a serem explorados na cidade.
“A propósito da descoberta deste subterrâneo, temos a acrescentar que, segundo supõe o Dr. Rocha Leão, nesta cidade existem outros subterrâneos do mesmo gênero e de não menos importância. Assim é que na Chácara da Floresta deve existir um, que termina no local onde foi o Theatro Phenix; um outro que, partindo da praia de Santa Luzia, vai terminar num ângulo da sacristia da Igreja Nova. Ainda outro, partindo também de Santa Luzia, termina num pátio, em frente à cozinha da Santa Casa de Misericórdia, além de outros ainda, de menor importância. O Dr. Rocha Leão, que obteve há tempos concessão do governo para exploração dos chamados subterrâneos do Rio de Janeiro, assevera mais, em carta a nós dirigida, que na Travessa do Paço há um armazém em ruínas, em uma de cujas reforçadas paredes está oculta a entrada para uma galeria que vai até os fundos da Catedral; daí se dirige paralelamente à Rua do Carmo até o Beco do Cotovello, onde se bifurca e sobe pela ladeira até à igreja." (p1.) Correio da Manhã - sexta, 28 de abril de 1905.
O efusivo sr. Coelho também comenta a existência de outros subterrâneos:
“O verdadeiro depósito dos tesouros, onde se encontram arcas de ferro abarrotadas de ouro e pedras finas, acha-se a 430 metros do sopé do morro; aí o ar é quase irrespirável em vista das exalações sulfúricas; é mesmo de crer que o morro não seja mais que o tampo de um vulcão. De tudo isto há documentos irrefutáveis e não só referentes ao Castelo como aos demais subterrâneos, quais os da ilha do Raimundo, próxima à do Governador, e da Fazenda de Santa Cruz e tantos outros que minam a velha cidade de Mem de Sá" (p.1) Correio da Manhã - quinta, 04 de maio de 1905.
O relato de Lima Barreto ajuda a compreender a verdadeira riqueza de histórias da vida na cidade, em seus diferentes tempos, camadas e sobreposições.
Podemos apenas supor que cada um desses subterrâneos conduza a seus próprios tesouros narrativos - uma riqueza compartilhada por todos, seguindo o ideal proposto pelo próprio Lima Barreto -, e que venham a ser um dia devidamente explorados para fazerem parte do mosaico de histórias que nos ajudam a compreender o Rio de Janeiro.